Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Dizem que o mês de Agosto é o mês do desgosto. Para mim nunca foi. É o mês de aniversário da minha tia, da minha comadre e grande amiga, de algumas amigas, é mês de recomeço em aulas, de respirar no meio do ano.Mas, há dois anos, para mim, é um mês marcado por lembranças boas mas doloridas. É que também no mês de Agosto, a minha saudosa e amada dinda fazia aniversário. Na realidade, seria na sexta-feira que vem. Um dia de comemorações, de festa, de comprar roupas novas para ir comer pizza em qualquer lugar, porque o importante era estarmos juntas. Não importava se haveria festa de fato ou não.Houve a de 50 anos, memorável, cuja melhor recordação que tenho é de vê-la dançando e aproveitando a dádiva de estar viva, apesar de toda a dor que foi imposta a ela pela violência que impera na nossa cidade. Foi o aniversário que eu mais aproveitei. No último, eu não consegui estar perto. Estive dois dias antes, quando fomos fazer mil coisinhas de mulher no shopping. Me arrependo de ter marcado um almoço para a semana seguinte, por não ter podido também ter ido à entrega da Medalha Tiradentes, maior honraria concedida a um cidadão no RJ, por razões de saúde. A grande questão é que a semana que "vem" não veio. O que veio foi uma quinta feira, dia 04 de Setembro (para mim, Setembro foi o mês do desgosto naquele ano, enquanto ecoava na minha cabeça aquela música "(...)wake me up when September ends"), que amanheceu cinza e triste. Era para ser um dia de praia, mas foi um dia de muita dor para todos nós que fizemos parte da vida daquela mulher incrível. Clamar a Deus para que a atividade cerebral dela não sumisse foi o que pudemos fazer ao longo de INTERMINÁVEIS 24h, mas quando está na hora de cada um, Ele é que sabe.
E eu tenho certeza de que ela não sofreu e de que está onde mais queria: ao lado da Gabriela.
Mas fica a marca em quem ficou aqui, fica a dor que lateja com alguma constância no peito dos que estão neste plano, fica a cicatriz que abre e sangra novamente quando ela é lembrada (como agora, por mim, em alta madrugada), quando ela figura nos meus sonhos e o entendimento de algo muito lúcido que ela dizia sobre saudade: só piora. Talvez ver vídeos, ouví-la, ver fotos, elocubrar sobre a presença e a ausência dela na minha vida seja uma espécie de auto flagelação. Talvez. Há quem pense que sim. Eu acho que é botar para a fora uma emoção que me assalta com alguma recorrência. Não vou ficar guardando-a, caso contrário, receio explodir. E quando revejo tudo que passamos, revejo também o quanto aprendi com ela e o quanto me modifiquei com aquele exemplo. Rever determinadas coisas dói, mas ao mesmo tempo nos fazem tentar aceitar melhor essa ausência, que é mais que isso, é um hiato. Tem uma música do Chico Buarque que traduz exatamente o que senti ao receber a notícia do falecimento: "e eu, atolada na areia, perdia meus pés".
Mas ao mesmo tempo em que convivemos com esse turbilhão de sentimentos e emoções em momento como o que vivo agora, de extrema saudade, ganhamos ao longo da espera pela nossa hora, o discernimento de que devemos aproveitar ao máximo as pessoas que nos cercam, torná-las seres melhores, fazer com que se sintam amados e especiais, mostrar o quanto são importantes. Pequenas coisas que, na correria do dia a dia, ficam esquecidas numa gaveta cuja abertura tardia pode causar uma ressaca emocional eterna. E há também o discernimento de nossa parte, em saber que nós não somos nada diante da grandeza das forças que realmente modificam a nossa caminhada aqui.
Relendo um e-mail que enviei para a minha lista na época da morte dela, vi um trecho lúcido no qual digo que perdê-la foi como perder a minha mãe novamente, com a diferença de que aos 21 anos eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Se na época eu fiquei com raiva de Deus?Sim, fiquei. Mas Ele me fez enxergar que aquilo foi o melhor para ela, ainda que não tenha parecido ser para nós.
Eu havia escrito no dia das mães um cartão para ela, dizendo que quando Deus levou a minha mãe, Ele havia deixado incríveis mulheres que a auxiliariam a cuidar de mim de onde ela estivesse. Ela era uma dessa mulheres. E ficar sem ela foi um soco no estômago, um tiro na cara, uma tristeza irreparável e sem precedentes. Eu a cria imortal. Muitas vezes me peguei pensando "-Meu Deus, o que eu faria se ficasse sem fulano, beltrano...". NUNCA havia imaginado ficar sem ela. E a resposta do cartão de dia das mães, foi um telefonema altamente emocionado, quase aos prantos, agradecendo: "-Você quer me matar??!!". Não, dinda. Tudo que eu não queria era que você morresse. Eu só queria ter tido mais tempo com você na minha vida. Eu nunca podia imaginar que você iria embora.
Mas dentro de mim, você vive a cada dia mais; ao lado da minha mãe e do meu avô.
Até um dia desses, quando o reencontro será a certeza de que o tempo que estivemos separadas não terá feito a menor diferença, afinal, meu amor cresce a cada dia, mesmo diante de tanta ausência.
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