sábado, 5 de setembro de 2009

Um ano depois.


"Ela era ela era ela no centro da tela daquela manhã


Tudo o que não era ela se desvaneceu


Cristo, montanhas, florestas, acácias, ipês


Pranchas coladas na crista das ondas, as ondas suspensas no ar


Pássaros cristalizados no branco do céu


E eu, atolado na areia, perdia meus pés"



Dinda,


Eu já falei muito, já escrevi muito, o que já chorei então nem se fala. Mas no dia de hoje, dia marcado pela tristeza dos que ficaram e pela sua alegria ao reencontrar-se com sua amada filha na vida eterna, me propus a uma reflexão.

Você entrou para a minha vida e eu nunca mais fui a mesma. A sua força, a sua garra e o seu brilho envolviam a quem estivesse por perto. A sua presença era marcante, o seu olhar era determinado e o seu pique era muito maior que o meu, apesar de trinta anos nos separarem.

Qualquer programa com você, mesmo que fosse de índio, era maravilhoso. A violência te atingiu, te marcou, te feriu mas você nunca perdeu a capacidade de ser bem humorada. Ir ao mercado com você era divertido. Poder te ligar 3h da manhã se eu quisesse, era uma segurança. Poucas pessoas, ao longo dos meus quase 23 anos, estiveram tão do meu lado e genuinamente do meu lado, me amando apesar dos defeitos. Aliás...defeitos...dizem que todos tem defeitos. Sabe que eu não me lembro de nenhum seu?De verdade. Você era, no máximo, ingênua sob alguns aspectos e pessoas sanguessugas se aproximavam e te faziam sofrer. Mas você era tão incrível que passava por cima dos problemas, das maldades alheias, ficava triste sim, mas dali a pouco estava dando uma nova chance a alguém, porque a sua crença nas virtudes do ser humano era incrível. E assim você construiu relacionamentos sólidos com pessoas de bem que hoje estiveram na sua missa de um ano de falecimento e que lembraram de você com amor e saudade.

Havia um banner seu na igreja. Enorme. A sua expressão e o seu olhar inconfundíveis davam a sensação de que você sairia dali a qualquer momento. Ou ainda, de que você estava ali, inteira, olhando para nós. E estava.

Vi sua mãe, sempre muito bem arrumada, sempre doce, e a ouvi dizendo que ela era minha avó emprestada. Sim, ela é. Olhá-la e não sentir minha voz embargar são coisas praticamente impossíveis. Aliás, nos últimos dias, pensar em você e não sentir nó na garganta também é difícil.

Ao longo desse ano, desde o minuto em que te deixei naquela cama fria de hospital, naquele CTI, onde num supremo gesto de egoísmo, eu entrei e senti raiva de haver pessoas vivas e só você ter partido (justo você!); até o momento em que escrevo estas linhas, muita água rolou. Muita coisa aconteceu. Coisas péssimas e coisas muito boas. Tenho certeza das broncas homéricas que eu levaria, entrando pela madrugada no telefone. Mas também tenho certeza do orgulho que você sente ao me ver erguida, dignamente reerguida depois de tanto tropeço e solavanco (e algumas injustiças que teriam te feito virar bicho). As coisas que eu aprendi, aprendi com as situações, mas principalmente com o legado que você deixou. Sem o seu carinho e seus ensinamentos, eu talvez estivesse batendo cabeça até hoje.
Na última vez que nos vimos, infelizmente você não pode responder, mas pode me sentir. Eu pedi tanto para que você voltasse, mas hoje sei que está onde queria, com quem queria, num descanso mais do que merecido. Esse mundo não era para você. Os bons morrem jovens, já dizia Renato Russo, coberto de razão até o último fio de cabelo.
Você me faz falta. Muito mais do que jamais imaginei, porque na verdade eu nunca me imaginei sem sua presença. Eu achava que você seria eterna neste mundo. Baseada nessa idéia, muitas vezes talvez tenha corrido o risco de não corresponder à altura da sua grandeza. Muitas vezes estava atolada com o que quer que fosse e acho que não pude te dar atenção merecida. Que bom que pude explicar e que você entendia e compreendia. Até porque sabia que na primeira brecha que eu tivesse, era pro seu colo que eu corria. Foi assim no último dia em que fomos ao shopping. Mas, de toda forma, desculpe-me se fui (ainda que sem a intenção) omissa alguma vez. Me perdoe, porque não tive nunca a intenção de falhar com você.
Lembro do dia que você me viu passar em Ipanema e saiu correndo, me gritando, embora você estivesse (como sempre) pendurada no celular!!Quando eu soube de quem se tratava, te fiz desligar porque queria sua atenção, queria te apresentar como um troféu para quem estava comigo: "-Essa é minha madrinha". Você é um troféu. Sua presença na minha vida vale mais do que todo ouro que existir no mundo. E essa presença é eterna.
Só quero com essa carta dizer que é em você que me espelho dia e noite, que tudo que me ensinou eu jamais irei esquecer, que tudo que aprendi com você ninguém terá a capacidade de me ensinar, que você me ensinou a fazer o bem, a plantar a semente, a amar as pessoas. O seu carinho maternal comigo era um alento, era uma certeza, uma segurança. Firme como uma rocha eu era na sua presença. Hoje a sua presença virou algo real sim, mas subliminar. Você está aqui conosco, mas não podemos vê-la. E a sua imagem, o seu abraço, o seu calor me fazem tanta falta.
Revendo e-mails que trocávamos, quase que respondo um. É o hábito de te fazer presente na minha vida de todo modo.
Siga comigo, esteja comigo. Todas as minhas vitórias e conquistas serão dedicadas à você, porque a força que eu tenho hoje vem de tudo que me deixou. A sua presença em minha vida foi breve e marcante. Causou marcas que anos de convivência com determinadas pessoas jamais causarão.
Te levo num cordão para todo lado. E para todo sempre, dentro de mim.

Dinda, o que eu quero com esse texto é dizer que um ano se passou, mas a saudade só aumenta. Viver sem você esse ano foi um desafio, uma prova de resistência. Crescer como pessoa, baseada no que você me ensinou, deixou de herança, etc, é a prova cabal de que o nosso encontro nessa vida não foi por acaso, e espero ter tido oportunidade de somar coisas boas para você, madrinha amada. Muitos anos ainda virão e você estará sempre comigo.
Saiba que te amo mais que muita coisa, com toda a força e com todo o coração. A sua ausência me causa uma dor física, um aperto no peito. Espero ter sido uma boa afilhada, boa amiga, boa parceirinha de trabalhos, campanhas. Nunca chegarei aos pés do que você foi pra mim, mas se eu tiver colaborado alguma vez para tornar a sua vida mais leve, já me dou por satisfeita. Te amo, te amo e te amo. Me perdoe qualquer coisa, qualquer falha. Nunca quis faltar com você.
E sei que no dia que a gente se reencontrar, será um dos dias mais felizes e esperados da minha vida. E será uma festa novamente. Me aguarde que eu chego já. E esse tempo que passamos fisicamente separadas, veremos, não terá feito a menor diferença. Não vejo a hora de te dar um abraço caloroso, apertado, emocionado. Como aqueles que te dava e que te dou ainda hoje, quando você me visita em sonhos.

Com todo o amor da sua "menina"
Paulinha


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"RECEBE MENOS QUEM MAIS TEM PRA DAR"